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Laranja na pizzaria
Caso em São Paulo mostra passo a passo para criar um falso sindicato

1 de agosto de 2016, 16h23

Por Marcos de Vasconcellos

Um salário de R$ 10 mil foi a oferta para um trabalhador deixar seu nome ser usado como laranja na criação de um falso sindicato. Gravações de conversas entre os protagonistas do crime mostram como acontecem as coisas nesse submundo. O dono de uma pizzaria no interior do estado usou nome e documento de um de seus ex-empregados para a fraude.

Nos diálogos obtidos com exclusividade pela revista eletrônica Consultor Jurídico, o dono da pizzaria argumenta com o então pizzaiolo (depois de já ter usado o nome dele): “Tanto eu como você, nós vamos ganhar uma grana boa, cara!”. Em outra gravação, um representante da Força Sindical, que articulava o esquema, afirma que, com o dinheiro que vão ganhar com a entidade, o trabalhador vai conseguir comprar uma casa na Bahia ou até abrir uma rede de pizzarias.

O caso, que já chegou à Polícia Civil, começou em 30 de junho, quando foi publicado no Diário Oficial da União um edital de convocação de assembleia para fundar o Sindicato dos Empregados em Restaurantes e Empresas do Comércio e Serviço Alimentação Preparada e Bebida a Varejo de Osaco, Barueri, Itapevi e Santana Do Parnaíba – SP. A publicação apontava como presidente da comissão pró-fundação do sindicato o pizzaiolo Luciano de Jesus da Silva.

Ele próprio afirma que, até então, não sabia da existência de tal comissão. Conforme disse à ConJur, só ficou sabendo depois que foi procurado por representantes do sindicato que seria prejudicado com a criação da organização, o Sindicato dos Empregados em Hospedagem e Gastronomia de São Paulo e Região (Sinthoresp) — que também articula a criação de um sindicato semelhante na região.

Depois de o edital ser publicado, representantes do Sinthoresp foram à casa de Silva, que se disse surpreso com o fato. E lembrou que seu ex-patrão havia ligado recentemente pedindo seus dados. Caiu a ficha: fora usado como laranja.

Acompanhado da advogada do sindicato, ele foi à Polícia Civil registrar um boletim de ocorrência, no dia 4 de julho, afirmando que “jamais participou de qualquer reunião nesse sentido [fundar um sindicato] e que alguém indevidamente utilizou seus dados pessoais no edital de convocação”. No mesmo documento, apontou o suspeito: seu ex-patrão, Marcelo Fernandes Teixeira. Foi orientado, então, a gravar todas as conversas que tivesse sobre o assunto.

No mesmo dia em que foi à delegacia, Silva recebeu uma ligação de um homem que se identificou como Paulinho, chamando-o para uma reunião para falar sobre o novo sindicato. Do outro lado da linha estava Paulo Rogério Rodrigues, assessor da Força Sindical, conhecido também como Paulo Vermelho — apontado em reportagens como suspeito de diversos atos de vandalismo e violência em conflitos sindicais.

O pizzaiolo foi à reunião. Lá estavam Paulo Rogério e outro homem, identificado apenas como Hamilton. A conversa é explícita: os homens dizem que o ex-patrão (Marcelo) “emprestou” o nome de Luciano para que eles criassem o sindicato.

Hamilton — Então, viemos bater um papo com você aí, explicar pra você o negócio lá, né?! Nós estamos abrindo um sindicato aí, pizzaria, lanchonete, bar, restaurante. E o Marcelo é amigão nosso.
Luciano Silva — Hã...
Hamilton — E o Marcelo emprestou seu nome pra nós.
Luciano Silva — Sei...
Hamilton — Publicou um edital. E o seu nome saiu no edital no jornal.

Ouça trecho do áudio: https://youtu.be/-eM5o_MtjNg

O motivo de abrir um sindicato também é exposto na conversa: dinheiro. E o pizzaiolo — que, segundo o edital que já havia sido publicado, seria o presidente da comissão pró-fundação da entidade — é “convidado” a trabalhar no novo sindicato. “Se fizer tudo certinho”, diz um de seus interlocutores, vai ganhar um salário de R$ 10 mil.

Hamilton — Um sindicatão do caramba, um sindicato grande, um negócio que dá muito, que dá muito dinheiro, entendeu? Que é pra arrumar a vida, pra arrumar a vida! Cê entendeu? Pra você ter uma ideia, um sindicato desses aí arrecada mais de um milhão por mês.
Luciano Silva — É?
Hamilton — É! Se você fizer certinho, tudo certinho, esse sindicato certinho, entendeu? Ai você vem com nós trabalhar no sindicato lá, ai vem um salarinho aí de uns 10 conto aí por mês, tá bom?
Luciano Silva — Aí tá bom, hein!
Hamilton — Tendeu?
Paulo Rogério — Aí dá pra ir pra Bahia, hein, compra uma casa na Bahia, entendeu?

Na conversa, os dois, que parecem estar coordenando a criação do sindicato usando o trabalhador como laranja, avisam que provavelmente representantes do Sinthoresp, por estarem perdendo a representação dos trabalhadores na região, iriam procurá-lo, mas que ele não poderia se intimidar. Eles dão dicas para ele sobre como se desvencilhar de perguntas sobre a nova entidade. Se falassem de sindicato, a resposta deveria ser “isso aí é com a Justiça”. E, caso insistissem, bastaria falar o nome de Hamilton e Paulo. “A hora que você falar o nome, os cara vai saber...”, afirma Paulo Rogério.

Entrevistado pela ConJur, Paulo Rogério confirmou ter tido a conversa com Luciano, mas disse que não existiu o “empréstimo” do nome. Segundo ele, o uso do termo na conversa gravada gera um “mal-entendido”, por causa do tom informal. O assessor da Força Sindical afirma que o pizzaiolo havia participado de uma reunião para formação do sindicato e oferecido seu nome para ser o presidente da comissão, mas voltou atrás depois de ser inquirido pelos representantes do Sinthoresp.

“Os caras do outro sindicato ameaçaram ele [Luciano], para que ele mudasse de lado. As ameaças foram tão graves que ele abandonou o emprego que tinha na pizzaria”, afirmou Paulo Rogério. Luciano Silva, por sua vez, diz que deixou o emprego por medo de represálias do ex-patrão, que tem parentesco com a dona da pizzaria na qual ele trabalhava, e daqueles que articulavam para criar o novo sindicato.

Quanto ao fato de ter falado que, com o dinheiro que o pizzaiolo ganharia com o sindicato, daria para comprar uma casa na Bahia ou montar uma rede de pizzarias, Paulo Rogério diz que os valores, inclusive o salário de R$ 10 mil, seriam irrisórios “perto do que ganha a diretoria do atual sindicato”. A justificativa para fundar uma nova entidade, diz ele, é porque os trabalhadores da região precisam de representação própria.

Patrão e empregado
Depois da conversa com Paulo e Hamilton, Luciano encontrou ainda o ex-patrão que “emprestou” o nome dele. Em nova conversa, também gravada, o dono da pizzaria conta que vai ter uma assembleia para fundar a entidade e que Luciano precisa estar lá. Ele diz ainda que ninguém conseguirá impedir o ato, porque os organizadores “têm esquema” com a polícia.

Na conversa, ele incentiva Luciano a deixar usarem seu nome e o orienta: “Falaram que se vier alguém atrás de você aqui, fala que não conhece, nunca ouviu, e falou pra você ficar tranquilo. [...] Virando o negócio aí, você vai ter um salarinho, diz os caras, que uns dez conto pra ficar tranquilo”. E arremata: “Tanto eu como você, nós vamos ganhar uma grana boa”.

Ouça trechos da conversa:

https://youtu.be/GuOsexbCHOg

https://youtu.be/Sh67OPxjtcU

Procurado pela ConJur, Marcelo negou ter qualquer participação na criação do sindicato de trabalhadores. Ele confirmou que conversou com Luciano sobre a questão, mas negou ter falado sobre o salário de R$ 10 mil, sobre o possível “esquema” com a polícia e sobre lucrar com o sindicato. Negou ainda ter emprestado o nome de seu ex-empregado para a criação do sindicato. “Como que eu posso emprestar o nome de uma pessoa, que não é meu. Eu fiz Direito, sou advogado, você acha que eu faria uma coisa dessas?”, questiona.

Uma perícia feita pelo perito Ricardo Molina, no entanto, garante: acima de qualquer dúvida razoável, a voz é de Marcelo Teixeira. Para chegar a essa conclusão, o perito comparou a voz da gravação feita por Luciano à entrevista de Marcelo à ConJur. Além disso, uma consulta ao Cadastro Nacional de Advogados, registro de profissionais feito pela Ordem dos Advogados do Brasil, também não traz nenhum resultado para o nome do dono da pizzaria.

O pizzaiolo Luciano Silva não deixou o jogo ir adiante e, orientado pelo Sinthoresp, publicou um edital no dia 7 de julho cancelando a convocação para a assembleia geral. Ele contou à ConJur que, para evitar represálias, deixou o emprego e, inclusive, para preservar sua família, mudou-se de cidade.

Ponta do iceberg
Para o advogado do Sinthoresp, Rodrigo Rodrigues, o que aconteceu com Luciano é “apenas uma amostra” do que ocorre no país diariamente, com patrões criando os chamados sindicatos amarelos, em benefício próprio. Segundo Rodrigues, os milhões de reais que os organizadores afirmam que seria possível ganhar não viriam das contribuições, mas de negociações escusas de acordos coletivos.

Segundo ele, as gravações tornam o caso de Osasco paradigmático, pois provam o envolvimento de empresário na criação de um sindicato que seria de trabalhadores. “A Justiça do Trabalho precisa analisar se cada sindicato que é criado tem representatividade entre os trabalhadores, pois temos visto novas organizações surgindo e oferecendo condições piores para os trabalhadores, servindo apenas às empresas”, critica.
Para ministro Lelio Bentes, estrutura sindical precisa ser revista com urgência.

A falência do modelo sindical adotado pelo Brasil já foi apontada por diversos especialistas. O ministro Lelio Bentes Corrêa, do Tribunal Superior do Trabalho, afirmou à ConJur (clique aqui para ler), que a estrutura sindical precisa ser revista com urgência. O ministro traz um dado importante para a discussão: o Brasil tem, atualmente, mais de 24 mil organizações sindicais, mas metade delas nunca firmou uma convenção coletiva sequer.

“Isso demonstra uma distorção trágica na estrutura sindical brasileira, imposta por uma determinação constitucional que trouxe para o plano constitucional um dispositivo da Consolidação das Leis do Trabalho da década de 1940 que é a unicidade sindical, reforçada e agravada pelo imposto sindical; uma forma artificial de dar uma sustentação econômica à entidades sindicais que muitas vezes não tem a mínima legitimidade junto à categoria sequer para angariar seus próprios associados”, explica Bentes.

O presidente do TST, ministro Ives Gandra Martins Filho, também defende a reforma sindical antes de outras mudanças. Em entrevista (clique aqui para ler), o ministro afirmou: “Penso que o caminho seria o pluralismo sindical, sendo os acordos coletivos firmados com os sindicatos de maior representatividade e as ações de substituição processual protegendo apenas os associados, de modo a estimular a filiação”.
Presidente do TST, ministro Ives Gandra Filho é a favor da pluralidade sindical.
Luiz Silveira/ Agência CNJ

A pluralidade à qual Ives Gandra Filho se refere é prevista pela Convenção 87 da Organização Internacional do Trabalho. Segundo a norma, não ratificada pelo Brasil, qualquer trabalhador tem o direito de criar um sindicato e de se filiar a qualquer entidade. A ideia da OIT é que os empregados entrem nos sindicatos que atendam a suas demandas e não sejam compelidos a contribuir com uma entidade (muitas vezes formada por laranjas) apenas porque é a representante oficial de sua categoria profissional na região.

A Convenção 87 da OIT entrou em vigor internacionalmente em 1950, e a adesão do Brasil à norma é um pleito antigo entre os especialistas em Direito do Trabalho, mas o fim da unicidade sindical (onde cada categoria de cada região só pode ser representada por uma entidade) no país enfrenta resistência desde então.

O presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho, Germano Siqueira, aponta que essa resistência tem como argumento a dificuldade que os sindicatos teriam para subsistir em regiões pobres, caso tivessem que dividir suas bases. No entanto, a Anamatra, que ele preside, é a favor da pluralidade sindical. “A unicidade sindical traz amarras para o próprio movimento sindical, por categoria e limites de município. Isso não é democrático e, muitas vezes, favorece quem aposta na deslegitimação de algumas entidades”, afirma.

Marcos de Vasconcellos é chefe de redação da revista Consultor Jurídico.

Revista Consultor Jurídico, 1 de agosto de 2016, 16h23

 

   

   
   
   
   
   
 
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