Direitos
indisponíveis
Acordo coletivo não pode mudar
norma de valores de rescisão
trabalhista, diz TST
2
de janeiro de 2017, 14h14
As
normas que regem valores de rescisão
trabalhista são de ordem pública
e indisponíveis. Portanto,
não podem ser alteradas por
negociação coletiva.
Com base nesse entendimento, a 4ª
Turma do Tribunal Superior do Trabalho
negou provimento a agravo de uma empresa
contra auto de infração
aplicado por auditor fiscal do Ministério
do Trabalho por ter deixado de pagar
as verbas rescisórias de contratos
fora do prazo legal.
A
companhia, por meio de ação
anulatória ajuizada na 4ª
Vara do Trabalho de Joinville (SC),
pediu a nulidade da autuação
e, consequentemente, o exclusão
da multa, alegando que o instrumento
coletivo unificou a quitação
das verbas no prazo máximo
de dez dias, independentemente da
modalidade do contrato de trabalho
ou do cumprimento do aviso prévio
indenizado. O prazo, previsto no artigo
477, parágrafo 6, alínea
"b", da Consolidação
das Leis do Trabalho, se aplica aos
casos de ausência de aviso prévio,
indenização ou dispensa
de seu cumprimento.
A
União, por sua vez, defendeu
a validade do auto de infração
alegando que a empresa deixou de cumprir
a previsão legal contida na
alínea "a" do mesmo
dispositivo, que assegura o pagamento
das verbas rescisórias até
o primeiro dia útil após
o término do contrato de trabalhado.
O
juízo de primeiro grau acolheu
a pretensão da empresa e anulou
o auto de infração,
com base no artigo 7º, inciso
XXVI, da Constituição
Federal, que reconhece as convenções
e acordos coletivos de trabalho. "Se
as partes se propuseram a pactuar
sobre o prazo de pagamento das verbas
rescisórias a ser observado,
em regular instrumento coletivo de
trabalho, a respectiva cláusula
tem validade e legitimidade e deve
ser observada", afirmou a sentença.
O
Tribunal Regional do Trabalho da 12ª
Região (SC), no entanto, acolheu
recurso da União e restabeleceu
a validade da autuação.
Para a corte, mesmo diante da previsão
constitucional sobre a negociação
coletiva, o alongamento do prazo beneficiou
apenas o interesse do empregador,
sem trazer nenhuma vantagem ao empregado.
Voto
vencido
No agravo ao TST, a empresa sustentou
que a unificação do
prazo não trouxe prejuízos
ao trabalhador, uma vez que não
houve redução dos valores
a serem recebidos.
A
ministra Maria de Assis Calsing, relatora
do recurso, apresentou voto favorável
ao restabelecimento da sentença.
"Existindo norma constitucional
concedendo a possibilidade de formalização
de acordo ou convenção
coletiva, não se pode invalidar
uma cláusula previamente negociada
e normativamente aceita, sob pena
de se negar vigência à
disposição constitucional",
afirmou.
O
ministro João Oreste Dalazen,
porém, abriu divergência,
com o entendimento de que a cláusula
normativa não pode se sobrepor
a norma de ordem pública e
indisponível. Dalazen explicou
que, mesmo que se admitisse o contrário,
o prazo só poderia ser elastecido
mediante a concessão de outra
vantagem equivalente.
"Entendo
que o princípio da autonomia
privada coletiva autoriza os próprios
interlocutores sociais a criarem normas,
por intermédio de concessões
recíprocas, inclusive mediante
eventual supressão de direitos
patrimoniais disponíveis dos
empregados, contanto que haja concessão
de algum outro benefício em
contrapartida", afirmou. Sucede,
todavia, que a empresa, embora tenha
invocado a teoria do conglobamento,
não apontou, em nenhum momento,
de que forma se daria a compensação
do atraso no pagamento das verbas
rescisórias." A decisão
foi por maioria, vencida a relatora.
Acordo
x lei
Fazer com que o negociado entre sindicato
e empresa prevaleça sobre o
que está previsto na legislação
é o principal ponto da minirreforma
trabalhista apresentada no fim de
dezembro pelo presidente Michel Temer
e seu ministro do Trabalho, Ronaldo
Nogueira. Inicialmente se falava que
as mudanças viriam por medida
provisória, mas o Planalto
preferiu enviar um projeto de lei
para o Congresso.
Em
2016, por duas vezes o Supremo Tribunal
Federal definiu que é constitucional
fazer o negociado prevalecer sobre
o legislado. O primeiro caso (Recurso
Extraordinário 590.415) teve
relatoria do ministro Roberto Barroso,
no qual ele deu ganho de causa a um
banco que havia feito acordo no qual
quitava dívidas com os trabalhadores
que não entrassem na Justiça
após o pagamento.
Tempos
depois, em setembro, o ministro Teori
Zavascki citou esse precedente estabelecido
pelo colega Barroso para um caso no
qual reverteu a sentença de
uma empresa que havia sido condenada
a pagar horas extras no Tribunal Superior
do Trabalho.
“A
Constituição prevê
que as normas coletivas de trabalho
podem abordar salário e jornada
de trabalho e se um acordo firmado
entre sindicato e empresa não
passar dos limites do que é
razoável, ele se sobrepõe
ao que está previsto na legislação”,
disse Teori Zavascki em seu voto.
Porém,
logo depois, ainda no mês de
setembro, o Tribunal Superior do Trabalho
ressaltou que a autonomia negocial
coletiva não é absoluta.
O entendimento foi firmado em um caso
no qual os julgadores disseram que
não se aplicava a jurisprudência
do STF. Assim, o TST anulou um acordo
coletivo que, de acordo com o tribunal,
reduzia os direitos dos trabalhadores
de uma usina de açúcar.
Opinião
do comandante
Em entrevista à ConJur em maio,
o ministro Ives Gandra Martins Filho,
presidente do TST, disse não
defender em todos os casos a prevalência
do negociado sobre o legislado. “Defendo
que se prestigie a negociação
coletiva, como mandam as Convenções
98 e 154 da Organização
Internacional do Trabalho e nossa
Constituição Federal,
em seu artigo 7º, inciso, XXVI.
E, no momento em que vivemos, ela
está bastante desprestigiada.
Ao conversar com parlamentares, empresários
e sindicalistas, tenho sugerido que
se adote um critério bem claro
nesse tema. Que os direitos trabalhistas
flexibilizados por acordo ou convenção
coletiva tenham, no próprio
instrumento normativo, cláusula
expressa da vantagem compensatória
do direito temporariamente reduzido
em sua dimensão econômica,
de modo a que o patrimônio jurídico
do trabalhador, no seu todo, não
sofra decréscimo.”
O
ministro Ives é visto por muitos
juízes do trabalho e advogados
que atuam na área como um oponente.
A situação ficou mais
tensa após o presidente do
TST dizer que a Justiça do
Trabalho é muito paternalista
e que dá coisas de “mão
beijada” para o trabalhador.
Na entrevista para a ConJur, o ministrou
explicou que o não respeito
dos acordos entre patrão e
sindicato por parte do Judiciário
foi o que motivou suas declarações.
“Ouvi
a afirmação de que a
Justiça do Trabalho tem sido
paternalista ao extremo do deputado
Ricardo Barros, relator do orçamento
e responsável pelo substancial
corte no orçamento da Justiça
do Trabalho. Disse-lhe, à época,
que não lhe tirava inteiramente
a razão, pois em dois pontos
lhe faço eco, que são
o intervencionismo exacerbado da anulação
de inúmeras convenções
e acordos coletivos de trabalho perfeitamente
válidos à luz da jurisprudência
do Supremo”, disse o ministro.
Necessidade
de reforma sindical
Uma opinião que corre no meio
jurídico é a de que,
antes de se estabelecer que o negociado
pode prevalecer sobre o legislado,
é necessária uma reforma
sindical. O receio é que a
falta de liberdade sindical faça
com que o sindicato vire um órgão
que apenas referende as vontades da
empresa sem levar em conta o lado
do trabalhador.
Ao
assumir a Presidência do Tribunal
Regional do Trabalho da 2ª Região,
o maior do país, o desembargador
Wilson Fernandes falou sobre a necessidade
do fortalecimento sindical para esse
novo entendimento. “O maior
desafio do país é criar
emprego e não acredito que
uma mudança na legislação
no sentido de criar essa prevalência
vai ajudar a solucionar o problema
do desemprego. O negociado sobre legislado
só se compreende num contexto
em que temos entidades”, disse.
Para
o advogado Roberto Parahyba Arruda
Pinto, presidente da Associação
Brasileira de Advogados Trabalhistas,
o negociado sobre o legislado da forma
como está posto é uma
tentativa “por via transversa”
de se suprimir direito dos trabalhadores.
“Eu acho que essa questão
tem essa pré-condição,
de primeiro fazer essa reforma sindical,
fortalecer as entidades sindicais.
No atual contexto que nós estamos
vivenciando, acho absolutamente inviável.
Em última análise vai
acabar acontecendo via transversa
a redução dos direitos
consagrados na CLT, e a CLT consagra
direitos que nós chamamos de
ordem pública, indisponíveis
e irrenunciáveis. A ideia,
por via transversa, é que esses
direitos mesmo passem a ser negociados
via negociação coletiva.
A razão de ser da negociação
dos acordos e convenções
coletivas é no sentido exatamente
diverso desse que está sendo
agora proposto. É para melhorar
as condições do trabalho.
Então tem a legislação
heterônima que estabelece direitos
mínimos para o trabalhador
e esses direitos poderiam ser ampliados
e não diminuídos. E
agora estão querendo utilizar
esse instrumento em um sentido exatamente
oposto”, disse. Com informações
da Assessoria de Imprensa do TST.
AIRR
1376-97.2013.5.12.0004
Revista Consultor Jurídico,
2 de janeiro de 2017, 14h14