Agressão
emocional
Estupro de vulnerável não
exige contato físico entre
agressor e vítima
4 de agosto de 2016,
14h01
Estupro de vulnerável
pode ser caracterizado ainda que não
haja contato físico entre o
agressor e a vítima. Com esse
entendimento, a 5ª Turma do Superior
Tribunal de Justiça confirmou
decisão do Tribunal de Justiça
de Mato Grosso do Sul que considerou
legítima a denúncia
contra um homem acusado de contratar,
mais de uma vez, pessoas para levarem
uma menina de dez anos a um motel,
onde ela foi forçada a tirar
a roupa, por R$ 400 mais comissão
para a irmã da vítima.
No Recurso em Habeas
Corpus, a defesa do acusado alegou
que a denúncia é inepta,
e, portanto, o réu deveria
ser absolvido — até porque
não há provas de sua
conduta. Para o defensor, não
é possível caracterizar
um estupro consumado sem contato físico
entre as pessoas.
Em seu voto, acompanhado
pelos demais ministros da turma, o
relator do processo, ministro Joel
Ilan Paciornik, disse que, no caso
analisado, o contato físico
é irrelevante para a caracterização
do delito.
Para o magistrado,
a denúncia é legítima
e tem fundamentação
jurídica em conformidade com
a doutrina atual. “A maior parte
da doutrina penalista pátria
orienta no sentido de que a contemplação
lasciva configura o ato libidinoso
constitutivo dos tipos dos artigos
213 e 217-A do Código Penal,
sendo irrelevante, para a consumação
dos delitos, que haja contato físico
entre ofensor e ofendido.”
Dignidade
sexual
O relator lembrou que a dignidade
sexual é passível de
ser ofendida mesmo sem agressão
física, como no caso da denúncia,
em que uma criança foi forçada
a se despir para a apreciação
de terceiro. Segundo Paciornik, a
denúncia descreve detalhadamente
o crime, preenchendo os requisitos
legais para ser aceita.
Em seu parecer, o
Ministério Público Federal
opinou pela rejeição
do pedido da defesa. O MPF considerou
que o ato lascivo de observar a criança
nua preenche os requisitos previstos
na legislação brasileira
para ser classificado como um caso
de estupro, por se tratar de menor
sem chances de defesa e compreensão
exata do que estava ocorrendo.
O ministro Jorge Mussi,
ao acompanhar o voto do relator, disse
que o contexto delineado revelou “uma
situação temerária
de se discutir se teve contato ou
não”, sendo suficiente,
até o presente momento, a denúncia
apresentada pelo Ministério
Público.
Para o ministro Ribeiro
Dantas, o conceito de estupro apresentado
na denúncia (sem contato físico)
é compatível com a intenção
do legislador ao alterar as regras
a respeito de estupro, com o objetivo
de proteger o menor vulnerável.
De acordo com ele, é impensável
supor que a criança não
sofreu abalos emocionais em decorrência
do abuso.
O caso faz parte de
investigação sobre uma
rede de exploração de
menores em Mato Grosso do Sul e envolve
políticos e empresários
de Campo Grande e região.
Para o advogado do
réu, José Trad, a decisão
deste julgamento foi contra jurisprudência
pacificada do STJ, principalmente
pelas 5ª e 6ª turmas. Ele
destaca que a corte sempre entendeu
que o estupro só é consumado
com contato físico. “Os
ministros se impressionaram com a
denúncia”, justifica,
destacando que compreende a preocupação
dos ministros em tutelar a dignidade
sexual dos menores de 14 anos.
Trad ressalta ainda
que apesar do entendimento da corte
em considerar o crime como estupro
de vulnerável, os ministros
fizeram ressalvas ao voto do relator,
destacando a importância do
tema no debate doutrinário
por haver divergência. “A
questão não está
definitivamente fechada.”
O advogado diz estranhar
o fato de seu cliente ser enquadrado
no crime de estupro de vulnerável
(217-A do Código Penal) por
contemplação lasciva
mesmo havendo o artigo 218-A, que
trata de satisfação
de lascívia na presença
de criança ou adolescente e
traz condutas mais graves do que a
contemplação. “Mesmo
assim, ele está sujeito a uma
pena muito mais severa”, reclama.
Afirma que ainda estuda
se irá apresentar recurso ao
STJ ou levar a questão ao Supremo.
“Não há lógica
ou razoabilidade em se punir a contemplação
lasciva pelo artigo 217-A e punir
condutas mais graves pelo artigo 218-A”.
“O precedente é perigoso”,
complementa.
Na questão
de mérito, onde a defesa alega
falta de justa causa, José
Trad destaca que há divergências
entre a acusação e o
depoimento prestado pela menina ao
Ministério Público.
“A história que a menor
contou em depoimento no Ministério
Público não foi bem
assim. A história que ela conta
dá a impressão de que
esse encontro não se consumou
por vontade do próprio acusado.
Ela teria dito que, no motel, ele
simplesmente olhou para a menina e
ficou com medo ao ver que se tratava
de uma menor de idade. Então
ele teria mando a menina se vestir
e ir embora”, finaliza.
O processo corre em
segredo de Justiça. Com informações
da Assessoria de Imprensa do STJ.
*Notícia alterada
às 21h59 para inclusão
de informações.
Revista Consultor
Jurídico, 4 de agosto de 2016,
14h01