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09/2017 - Transexuais têm
direito à alteração
do registro civil sem realização
de cirurgia
DECISÃO STJ
09/05/2017 19:47
Independentemente
da realização de
cirurgia de adequação
sexual, é possível
a alteração do sexo
constante no registro civil de
transexual que comprove judicialmente
a mudança de gênero.
Nesses casos, a averbação
deve ser realizada no assentamento
de nascimento original com a indicação
da determinação
judicial, proibida a inclusão,
ainda que sigilosa, da expressão
“transexual”, do sexo
biológico ou dos motivos
das modificações
registrais.
O
entendimento foi firmado pela
Quarta Turma do Superior Tribunal
de Justiça (STJ) ao acolher
pedido de modificação
de prenome e de gênero de
transexual que apresentou avaliação
psicológica pericial para
demonstrar identificação
social como mulher. Para o colegiado,
o direito dos transexuais à
retificação do registro
não pode ser condicionado
à realização
de cirurgia, que pode inclusive
ser inviável do ponto de
vista financeiro ou por impedimento
médico.
No
pedido de retificação
de registro, a autora afirmou
que, apesar de não ter
se submetido à operação
de transgenitalização,
realizou intervenções
hormonais e cirúrgicas
para adequar sua aparência
física à realidade
psíquica, o que gerou dissonância
evidente entre sua imagem e os
dados constantes do assentamento
civil.
Sexo
psicológico
O
relator do recurso especial da
transexual, ministro Luis Felipe
Salomão, lembrou inicialmente
que, como Tribunal da Cidadania,
cabe ao STJ levar em consideração
as modificações
de hábitos e costumes sociais
no julgamento de questões
relevantes, observados os princípios
constitucionais e a legislação
vigente.
Para
julgamento do caso, o ministro
resgatou conceitos essenciais
como sexo, identidade de gênero
e orientação sexual.
Segundo o ministro, as pessoas
caracterizadas como transexuais,
via de regra, não aceitam
o seu gênero, vivendo em
desconexão psíquico-emocional
com o seu sexo biológico
e, de um modo geral, buscando
formas de adequação
a seu sexo psicológico.
O
relator também lembrou
que, apesar da existência
de princípios como a imutabilidade
do nome, dispositivos legais como
a Lei de Registros Públicos
preveem a possibilidade de alteração
do nome que cause situação
vexatória ou de degradação
social, a exemplo das denominações
que destoem da aparência
física do indivíduo.
Direito
à felicidade
Na
hipótese específica
dos transexuais, o ministro Salomão
entendeu que a simples modificação
de nome não seria suficiente
para a concretização
do princípio da dignidade
da pessoa humana. Para o relator,
também seriam violados
o direito à identidade,
o direito à não
discriminação e
o direito fundamental à
felicidade.
“Se
a mudança do prenome configura
alteração de gênero
(masculino para feminino ou vice-versa),
a manutenção do
sexo constante do registro civil
preservará a incongruência
entre os dados assentados e a
identidade de gênero da
pessoa, a qual continuará
suscetível a toda sorte
de constrangimentos na vida civil,
configurando-se, a meu juízo,
flagrante atentado a direito existencial
inerente à personalidade”,
ressaltou o relator.
Exemplos
internacionais
O
ministro também citou exemplos
de países que têm
admitido a alteração
de dados registrais sem o condicionamento
à cirurgia. No Reino Unido,
por exemplo, é possível
obter a certidão de reconhecimento
de gênero, documento que
altera a certidão de nascimento
e atesta legalmente a troca de
identidade da pessoa. Iniciativas
semelhantes foram adotadas na
Espanha, na Argentina, em Portugal
e na Noruega.
“Assim,
a exigência de cirurgia
de transgenitalização
para viabilizar a mudança
do sexo registral dos transexuais
vai de encontro à defesa
dos direitos humanos internacionalmente
reconhecidos – máxime
diante dos custos e da impossibilidade
física desta cirurgia para
alguns –, por condicionar
o exercício do direito
à personalidade à
realização de mutilação
física, extremamente traumática,
sujeita a potenciais sequelas
(como necrose e incontinência
urinária, entre outras)
e riscos (inclusive de perda completa
da estrutura genital)”,
destacou o relator.
Acompanhando
o voto do relator, a Quarta Turma
concluiu que o chamado “sexo
jurídico” –
constante do registro civil com
base em informação
morfológica ou cromossômica
– não poderia desconsiderar
o aspecto psicossocial advindo
da identidade de gênero
autodefinida pelo indivíduo,
“o qual, tendo em vista
a ratio essendi dos registros
públicos, é o critério
que deve, na hipótese,
reger as relações
do indivíduo perante a
sociedade”.
Complexidades
jurídicas
O
ministro Salomão também
apontou que as complexidades jurídicas
geradas pelo reconhecimento dos
direitos dos transexuais não
operados já são
perceptíveis no universo
das pessoas que decidiram se submeter
à cirurgia.
“Ademais,
impende relembrar que o princípio
geral da presunção
de boa-fé vigora no ordenamento
jurídico. Assim, eventuais
questões novas (sequer
cogitáveis por ora) deverão
ser sopesadas, futuramente, em
cada caso concreto aportado ao
Poder Judiciário, não
podendo ser invocados receios
ou medos fundados meramente em
conjecturas dissociadas da realidade
concreta”, concluiu o ministro
ao acolher o recurso especial
da mulher.
O número deste processo
não é divulgado
em razão de segredo judicial.
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Fonte:
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