Abuso
de direito
Advogada é condenada por excessos
em representação à
Corregedoria
2 de julho de 2016,
9h06
Por Jomar Martins
A imunidade do advogado
em suas manifestações
em juízo ou fora dele, garantida
pelo Estatuto da Advocacia, não
afasta a responsabilidade do profissional
em caso de excessos. Assim, o 5º
Grupo Cível do Tribunal de
Justiça do Rio Grande do Sul
confirmou sentença que condenou
uma advogada por entrar com uma representação
contra a juíza titular e cinco
servidores da 3ª Vara Cível
de Passo Fundo na Corregedoria-Geral
de Justiça, pondo em xeque
sua seriedade, idoneidade e reputação.
O colegiado só
reduziu o valor da indenização
por danos morais, que caiu de R$ 20
mil para R$ 5 mil para a juíza;
e de R$ 15 mil para R$ 3 mil para
cada servidor. O relator dos embargos
infringentes, desembargador Carlos
Eduardo Richinitti, disse que, como
regra, não entende cabível
a reparação moral por
agressões verbais — e
citou como exemplo o caso de policiais
ou agentes de trânsito, que
têm de estar preparados para
lidar com situações
indesejadas.
Entretanto, ele citou
que as expressões injuriosas
colocadas na petição
e na representação foram
agressivas e culminaram com a grave
imputação de parcialidade
da magistrada. “Evidenciados,
portanto, o ato ilícito da
embargada [advogada] que se excedeu
ao tentar defender os interesses de
seu cliente, o dano à moral
da magistrada e dos servidores da
3ª Vara Cível de Passo
Fundo, bem como o nexo causal entre
o primeiro e o segundo, presente o
dever de indenizar”, registrou
no acórdão, lavrado
na sessão de 18 de maio.
O caso
Em 20 de janeiro de 2011, na Comarca
de Passo Fundo, uma microempresa ajuizou
ação cautelar de busca
e apreensão de equipamento
industrial contra outra pequena empresa
que estava sendo executada, que viria
a ser defendida pela advogada-ré
no curso do processo. No dia seguinte,
a juíza Luciana Bertoni Tiepo
determinou, via despacho, a emenda
à inicial, para que o requerente
comprovasse a constituição
do requerido em mora — no que
foi prontamente atendida. Luciana
atuava em substituição
à juíza Lizandra Cericato
Villaroel, que estava de férias,
na 3ª Vara Cível.
Em 24 de janeiro,
a mesma juíza deferiu o despacho
liminar. No dia seguinte, mandou expedir
a carta precatória de busca
e apreensão, que acabou cumprida
no dia 26, em Caxias do Sul. Nesse
mesmo dia, o empresário réu
daquela ação constituiu
duas advogadas (sem nenhuma relação
com a ré) e apresentou contestação.
Na peça, argumentou
que, após ter estabelecido
negociação com a parte
contrária, não conseguiu
honrar o trato em função
de dificuldades financeiras. Assim,
já que consumada a busca e
apreensão do equipamento, pediu
a devolução dos valores
pagos e dos cheques entregues à
parte (70% da dívida).
Somente depois de
ter apresentado a peça defensiva
é que o empresário contratou
a advogada ré na ação,
que entrou com uma “nova”
contestação em 15 de
fevereiro. Nesta, com pedido de conclusão
urgente, o seu cliente oferecia caução
e pleiteava a revogação
da liminar. Entretanto, como a peça
não chegou a ser juntada aos
autos até o dia 17 de fevereiro
— porque o feito acabou, equivocadamente,
entregue em carga ao procurador da
parte contrária —, nem
foi registrada no sistema informatizado.
Por causa da situação,
a advogada fez outra petição
para reclamar tantos dos servidores
do cartório como da magistrada
titular da vara, Lizandra Villaroel.
Esta, até então, estava
alheia aos fatos. Recém-chegada
das férias, despachou pela
primeira vez no processo em 25 de
fevereiro, designando audiência
conciliatória entre as partes
cinco dias depois.
Acusação
de favorecimento
Demonstrando indignação
e pleiteando a imediata apreciação
do pedido, a advogada-ré fez
a seguinte observação:
“Não que a procuradora
e seu cliente tenham seus pedidos
deferidos nos autos, não que
sua pretensão seja uma coisa
certa e que será acatada, o
que se espera é que haja respeito
e imparcialidade para com as partes
e que o pedido pela parte contrária
também seja prontamente analisado
e algum despacho proferido”.
Não satisfeita,
em 25 de fevereiro, a advogada ainda
formulou representação
na Corregedoria-Geral de Justiça
contra os servidores e magistrada
da 3ª Vara Cível. Nesta
peça, a advogada afirma “estranhar”
a rapidez na concessão da liminar
à parte contrária, o
que não seria comum nem em
busca e apreensão de menor.
“O que pensou-se é que
de certo os outros servidores e magistrados
não são tão eficientes
como os da 3ª Vara Cível
do Foro representado”, ironizou
na peça.
A advogada narrou
que foi até a vara e não
obteve “explicação
plausível” para o ocorrido.
Afirmou que a ‘‘magistrada
titular’’ da vara (supondo
que estivesse na jurisdição)
não se importou com o caso,
deixando de atendê-la. Com isso,
concluiu que os servidores têm
tempo para atender rapidamente o autor
da execução, o que não
ocorre quando o réu se manifesta
nos autos. “Ou estamos diante
de um favorecimento de partes, com
a clara e evidente demonstração
de favores, ou aqueles servidores
deveriam fazer um curso completo de
funcionamento cartorial e ensinamento
de princípios do direito, ética
e moral”, encerrou.
Ação
indenizatória
Sentindo-se atingidos, a juíza
titular e os cinco servidores ajuizaram
ação indenizatória
por danos morais contra a advogada.
Citada, a profissional afirmou que
apenas exercitou seu direito, sem
nominar ninguém na representação
à Corregedoria. Afirmou que
não estava buscando o mérito
do direito do seu cliente, mas a “consideração
e o respeito pela profissão”.
Afirmou ainda que, como advogada,
não está subordinada
a outros entes da justiça.
A juíza designada
Margot Cristina Agostini, que atua
na comarca de Marau, cidade vizinha,
julgou procedente a ação,
por entender que as críticas
não se dirigiram ao Judiciário,
mas aos autores, embora sem serem
nominados — e feitas com abuso
de direito. Afinal, lhes atribuiu
condutas extremamente graves, como
favorecimento pessoal da parte contrária
e falta de imparcialidade. A análise
dos fatos, no entanto, discorreu a
juíza, demonstrou que não
existiu nenhuma irregularidade a embasar
tais reclamações, assim
como não houve favorecimento,
desídia ou mesmo tratamento
diferenciado. Tanto que a Corregedoria
arquivou a representação,
pela inexistência de indícios
de qualquer irregularidade funcional.
A julgadora também
pontuou que a nova contestação
apresentada sequer merecia consideração,
pois o ordenamento jurídico
não admite sua apresentação
por duas vezes. E que se a advogada
ré quisesse se insurgir contra
o deferimento da cautelar, poderia
fazê-lo com os instrumentos
processuais cabíveis. O mesmo
se aplica à suposta falta de
análise do seu pedido, que
poderia ser alvo de embargos de declaração.
Ao fim da fundamentação,
a juíza de Marau condenou a
advogada a pagar danos morais no valor
de R$ 15 mil a cada um dos cinco servidores
e R$ 20 mil para a juíza Lizandra
Cericato Villarroel. Desta sentença,
a advogada ré apelou ao Tribunal
de Justiça do Rio Grande do
Sul.
Sentença derrubada
No TJ-RS, a 10ª Câmara
Cível, pela maioria dos seus
membros, acolheu a Apelação
da ré, por entender que a referência
aos termos mencionados (“suspeito”,
“desigual”, “imparcial”)
não significa excesso por si
só, já que a lei processual
os menciona. “Não está
presente indicação de
presença de dolo ou intenção
de ofender. A petição
foi usada para reclamar de situação
que parecia injusta à advogada”,
ponderou o relator do recurso, desembargador
Marcelo Cezar Müller.
Na sua percepção,
deve ser levado em conta o contexto
dos fatos, já que a prestação
deste serviço ocorre em meio
a disputas, conflitos, divergências,
interesses econômicos. Neste
cenário, eventuais percalços
não indicam de imediato culpa
ou má-fé do servidor,
do magistrado, do membro do Ministério
Público ou do advogado. “O
exame sobre o excesso praticado pelo
advogado deve ser sopesado, levando
em conta sua atividade defensiva,
que ao final favorece a toda sociedade”,
complementou.
O desembargador Túlio
de Oliveira Martins, destoando do
entendimento majoritário, confirmou
os termos da sentença. No voto
divergente, destacou que as manifestações
não podem ser vistas como simples
“excessos”, decorrentes
da exacerbação de ânimos
por conta da condução
processual, pois não foram
feitas de forma agressiva ou destemperada.
Antes, a advogada procedeu a uma acusação
pensada, formal, oficial, junto à
Corregedoria, da qual todos os acusados
tiveram ciência.
Desta decisão,
os seis autores da ação
interpuseram Embargos Infringentes
no 5º Grupo Cível do TJ-RS
(colegiado composto por integrantes
da 9ª. e 10ª. Câmara
Cíveis), onde prevaleceu o
voto divergente.
Clique
aqui para ler a sentença.
Clique
aqui para ler o acórdão
de apelação.
Clique
aqui para ler o acórdão
dos embargos infringentes.
Jomar Martins é
correspondente da revista Consultor
Jurídico no Rio Grande do Sul.
Revista Consultor
Jurídico, 2 de julho de 2016,
9h06