Voo livre
Companhias
aéreas estão proibidas
de cobrar a mais por despacho
de bagagem
13
de março de 2017, 19h02
Por
Brenno Grillo
Os
passageiros de companhias aéreas
não podem ser obrigados
a pagar, além da passagem,
pelo despacho de malas, pois não
há cálculo que prove
que não despachar bagagem
reduz os custos do voo. Além
disso, a cobrança não
faz sentido, uma vez que alguns
itens precisam ser despachados
obrigatoriamente.
Cobrança extra por bagagens
despachadas foi suspensa porque
afeta o consumidor, a parte mais
vulnerável da relação.
Cobrança extra por
bagagens despachadas foi suspensa
porque afeta o consumidor, a parte
mais vulnerável da relação.
Assim
entendeu o juiz José Henrique
Prescendo, da 22ª Vara Cível
Federal de São Paulo, ao
suspender liminarmente a possibilidade
de as companhias aéreas
cobrarem a mais daqueles passageiros
que despacham bagagens. A decisão
foi dada um dia antes de as novas
regras da Agência Nacional
de Aviação Civil
entrarem em vigor.
A
cobrança extra pelas malas
despachadas foi autorizada pela
Anac em dezembro do ano passado.
Com o fim da gratuidade no transporte
de bagagens — que antes
era de até 23 kg para voos
nacionais e 32 kg para voos internacionais
—as empresas aéreas
passarão a poder cobrar
pelo serviço. Além
disso, a mudança também
aumentou — de 5 kg para
10 kg — o limite de peso
da franquia para as bagagens levadas
pelos passageiros na cabine. Essa
possibilidade já era incluída
na tarifa.
“Não
existem parâmetros seguros
que permitam calcular os percentuais
que correspondem ao custo do transporte
do passageiro e ao custo do transporte
da bagagem, que impossibilitem
uma cobrança separada,
sem prejuízo para o consumidor,
o que o torna vulnerável
a eventuais práticas abusivas
por parte das grandes companhias
aéreas brasileiras, que
dominam o mercado”, diz
o julgador na decisão.
A
Anac justificou a mudança
alegando que seria proporcionada
uma redução de preços
das passagens, mas não
há nenhuma garantia de
que isso realmente aconteça.
O Ministério Público
Federal, inclusive, questionou
as mudanças — que
agora foram suspensas pelo pedido
do órgão. À
época, a Ordem dos Advogados
do Brasil afirmou que as alterações
desequilibram relação
de consumo.
Esse
desequilíbrio foi citado
pelo juiz federal na decisão
mais de uma vez. Segundo Prescendo,
a Anac, ao tomar tal atitude,
descumpriu sua função
reguladora como integrante do
Executivo, que é defender
o interesse dos consumidores.
O juiz federal destaca que a agência
não pode “editar
resolução que ignore
esse dever do Estado, cuja eficácia
presume a existência de
normas que assegurem ao consumidor
um mínimo de direitos que
não dependam das boas intenções
dos fornecedores ou prestadores
de serviços”.
Prove-me
o contrário
O juiz federal destaca ainda em
sua decisão a falta de
evidência sobre os ganhos
dos consumidores com essa mudança.
Ele explica que não é
costume no Brasil separar o preço
da bagagem do cobrado pelo transporte
do passageiro, como ocorre na
Europa, por exemplo — foi
justamente esse modelo de passagens
“econômicas”
o exemplo usado pela Anac para
embasar sua mudança.
Juiz federal também questionou
se há informações
que comprovem o suposto barateamento
das passagens aéreas.
Juiz federal também
questionou se há informações
que comprovem o suposto barateamento
das passagens aéreas.
Para
o magistrado, condicionar um serviço
adicional o despacho da bagagem
é uma espécie de
venda casada, prática proibida
pelo artigo 39, inciso I, do Código
de Defesa do Consumidor. Ele criticou
a medida também ao lembrar
que alguns itens de comuns de
uso pessoal são, necessariamente
despachados.
“Não
se mostra razoável incluir
na bagagem de mão itens
como roupas, calçados,
objetos de higiene pessoal, remédios,
etc, devendo ser considerado também,
o fato de que vários desses
objetos podem ser incluídos
em razão de proibição
legal, como é o caso, por
exemplo, dos líquidos acondicionados
em vidros ou plásticos”,
diz.
Decisão
contrária
A decisão do juiz contrapõe
outra liminar, proferida pelo
magistrado Alcides Saldanha Lima,
da 10ª Vara Federal no Ceará,
que não viu ilegalidades
nas normas da Anac e negou liminarmente
pedido do Procon estadual contra
a agência.
Lima
argumentou que a nova regra que
permite que as companhias aéreas
cobrem por qualquer bagagem despachada
não viola os direitos do
consumidor nem dá vantagens
excessivas ao fornecedor. Isso
porque uma atividade empresarial,
mesmo as reguladas pelo poder
público, devem ser lucrativas,
pois, caso contrário, a
continuidade de seus serviços
pode ser inviabilizada, assim
como sua existência.
Na
ação, o Procon cearense
alegou que as mudanças
deixam os consumidores em situação
desvantajosa em relação
às companhias aéreas.
Disse também que as alterações
violam determinações
do Código Civil (artigo
740) e do Código de Defesa
do Consumidor (artigo 39).
Além
da bagagem
Com a entrada em vigor das novas
regras, os passageiros que desejam
cancelar as passagens poderão
se desfazer da compra sem custo
desde que o cancelamento ocorra
em até 24 horas depois
da data da aquisição
e com antecedência mínima
de sete dias da data do embarque.
Além
disso, em caso de multa, a penalidade
para alteração da
passagem ou reembolso não
pode ultrapassar o valor pago
pela passagem. A medida também
vale para promoções,
e a taxa de embarque terá
que ser devolvida.
Essas
alterações também
foram questionadas pelo Procon
cearense na ação.
Mas todos os argumentos foram
negados pelo juízo federal.
“Deve-se observar que, ao
contrário do que alega
a parte autora, a regulamentação
não autoriza apropriação
indébita ou enriquecimento
ilícito por parte da companhia
aérea.”
Especificamente
sobre a possibilidade de cancelar
apenas o trecho final em bilhetes
de ida e volta em que o passageiro
não use o percursos inicial,
Alcides Saldanha Lima reforçou
que a norma não impede
o reembolso ou a remarcação.
“Tampouco
estabelece vantagem excessiva,
na medida em que a modalidade
do bilhete adquirido e até
mesmo a boa-fé contratual
autorizam que o fornecedor presuma
razoavelmente que, salvo expressa
manifestação em
contrário, o consumidor,
ao não utilizar o trecho
inicial, não estará
na cidade de destino e, portanto,
também não pretenda
utilizar o trecho final”,
disse o juiz federal.
O
cancelamento, complementou o magistrado,
não é automático,
pois a regra garante ao passageiro,
sem que haja multa, o direito
de informar, até o horário
da viagem de ida, a intenção
de usar o trecho de volta.
“No
entanto, como no que diz respeito
a todas as demais condições
do serviço, cabe ao fornecedor
o dever de informação,
a ser cumprido de modo claro e
preciso, sob pena de invalidade
da cláusula respectiva,
o que poderá ser verificado
em caso de sua ocorrência
concretamente, não se constatando,
na regra in abstracto por si só,
a justificativa para a suspensão
de sua eficácia ou a declaração
da sua invalidade”, concluiu
ao negar a liminar.
Especialistas
criticam, OAB comemora
O presidente do Conselho Federal
da OAB, Claudio Lamachia, comemorou
a decisão, afirmando que
esse entendimento só reforça
que o argumento pelo barateamento
das passagens aéreas é
uma "falácia".
"Parecer técnico da
OAB divulgado no fim do ano passado
mostrou a falácia que é
o argumento de quem afirma que
os preços das passagens
vão cair em decorrência
da nova fonte de arrecadação",
diz.
Lamachia
critica ainda a postura das empresas
aéreas, além de
dizer que Anac tendeu para o lados
das companhias na questão.
"Agora, na véspera
do início da cobrança,
os presidentes das companhias
aéreas beneficiadas começam
a admitir que não haverá
redução de preços."
"A
agência reguladora da aviação
civil deveria defender os interesses
da sociedade e fiscalizar o setor
aéreo. Mas, o que vemos,
é a agência atuando
em favor das empresas e contra
os consumidores", complementou
o advogado, dizendo ainda que
a OAB aguarda a decisão
da Justiça sobre a ação
civil pública apresentada
pela entidade.
Já
o advogado Francisco Fragata Júnior,
especialista em Direito das Relações
de Consumo e sócio do Fragata
e Antunes Advogados, disse que
“a decisão foi um
tanto precipitada, com todo o
respeito ao julgador”. Ele
afirma que os argumentos apresentados
na Ação Civil Pública
não parecem suficientes
para a concessão da liminar.
Ressalta
ainda que as constantes "regulamentações"
promovidas pelo Judiciário
têm sufocado as empresas
no Brasil. "Não há
qualquer indício de que
protege o consumidor, menos ainda
que seja uma ‘vantagem manifestamente
excessiva’, que é
o que a lei veda. O sistema econômico
adotado pela nossa Constituição
é o da livre concorrência."
"E
esta se dá, como o próprio
termo o diz, quanto menos limites
uma empresa tiver em relação
à outra. A regulamentação,
uniformizando as atividades, apenas
reduz a concorrência e o
número de participantes
no mercado”, complementa
o advogado. Não existe
também, continua Fragata
Júnior, no Código
Civil, qualquer dispositivo que
permita, com clareza, a interpretação
de que passageiro e bagagem não
podem ser tarifados separadamente.
“A
cobrança de bagagem separado
da passagem por companhias aéreas
é prática corriqueira
na imensa maioria dos países.
E isto não trouxe qualquer
prejuízo ao consumidor.
Ao contrário, permite que
as empresas utilizem várias
alternativas para atraí-lo,
criando ‘nichos’ de
mercado com preços mais
interessantes. Isto é saudável
para o mercado e para os consumidores.
Não há obstáculo
legal claro a impedir essa medida
da Anac", afirma, repetindo
os argumentos da empresas aéreas.
Para
João Augusto de Souza Muniz,
especialista em Relações
de Consumo e sócio do PLKC
Advogados, apesar de louvável
do ponto de vista de defesa dos
direitos do consumidor, a decisão
liminar deve ser reformada. Ele
explica que a fixação
da atual franquia de 23 kg está
prevista nas chamadas Condições
Gerais de Transporte Aéreo,
aprovadas por meio de Portaria
editada pelo Comando da Aeronáutica
em 2000 (Portaria 676/GC5/2000,
com alterações da
Portaria 689/GC5/2005).
“Assim,
ao contrário do que possa
parecer, o alegado direito à
franquia de bagagem não
é previsto na Constituição
Federal, tampouco no Código
de Defesa do Consumidor, mas,
apenas em um ato administrativo
do Executivo. Desse modo, a Anac,
dentro da esfera de sua competência,
optou por rever a legislação
anterior editando a Resolução
400/16, que do ponto de vista
estritamente legal, não
me parece padecer de qualquer
vício, por mais antipática
que seja a medida", explica.
Brenno Grillo é repórter
da revista Consultor Jurídico.
Revista
Consultor Jurídico, 13
de março de 2017, 19h02
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